Estamos vivendo tempos sem precedentes. Ao longo dos meus 37 anos de vida profissional, eu já passei por inúmeras crises internas e externas (que afetaram o mundo todo). Mas nenhuma chegou perto da que estamos enfrentando hoje por conta do covid-19.
Assistindo o noticiário na TV, vi a Diretora-Geral do FMI, Kristalina Georgieva dizendo que o próprio FMI nunca havia passado uma crise dessa magnitude e que os esforços para reverter os efeitos negativos da pandemia na economia podem ser ainda maiores do que os realizados em decorrência da crise de 2008, quando dezenas de instituições financeiras quebraram.
Conforme um estudo divulgado pela McKinsey, o impacto do coronavírus pode causar uma leve redução do crescimento da economia mundial, de 2,5% para 2% em um cenário mais otimista, até uma catastrófica queda de 1,5%, fato que não ocorre desde 2009, em um cenário mais preocupante. Parece pouco, mas é o suficiente para decretar o fim de centenas de empresas e mergulhar vários países em uma profunda recessão.
A pandemia de Coronavírus que assola o mundo trouxe e trará um enorme impacto na vida das pessoas, das empresas, nos governos e dos países. Não sabemos o quanto e até quando essa crise irá durar, mas uma coisa é certa: o mundo nunca mais será o mesmo. Com toda a preocupação e energia que todos nós estamos despendendo no curto prazo para superar a crise, estamos tendo pouco tempo para reflexão sobre os impactos no longo prazo nos nossos negócios e nas nossas vidas. As pessoas e seus hábitos vão mudar (na verdade, já estão mudando muito nos últimos tempos) e não sabemos como e em qual velocidade, mas, com certeza, ao fim desse período haverá uma nova ordem predominante, um novo “Normal”.
O Coronavírus, com toda sua fúria e urgência, quebrou as barreiras existentes das pessoas, das empresas, e, até mesmo (assim espero), dos governos que vinham há muito resistindo às mudanças que vem transformando o mundo. Vou citar alguns exemplos que pude perceber aqui da minha casa, tudo em apenas algumas semanas de home office:
● A escola onde minha filha estuda, que é uma escola privada, não se preparou para o ensino a distância e ainda tem inúmeras barreiras para essa implementação, mas se viu obrigada a se curvar ao momento e está implantando o EAD a toque de caixa. As escolas públicas enfrentam o mesmo problema, em meio a várias outras dificuldades causadas por falta de recursos para a educação. Porém, o fato é que os alunos não estão tendo aulas e haverá um impacto na vida desses jovens;
● Todas as minhas compras hoje estão sendo realizadas online. As lojas, farmácias, restaurantes que não possuem e-commerce estão sofrendo muito e correm sério risco de quebrar;
● Temos amigos trabalhando em grandes empresas, nacionais e multinacionais, que não conseguiram trabalhar remotamente (home office), pois as instituições não tinham infraestrutura nem equipamentos necessários para fornecer aos seus funcionários. Além disso, eles não estavam adaptados ao trabalho remoto, não aprenderam como fazer isso, não havia políticas corporativas para esse caso, nem processos e procedimentos adequados;
● Alguns amigos que também são empresários têm suas empresas com canais de venda totalmente dependentes do contato humano. Eles estão com suas vendas paradas ou irão reduzir drasticamente suas receitas. Estão desesperados.
● Minha mãe foi atendida hoje através da telemedicina, que por questões legais não era permitida no Brasil, mas que parece que o governo liberou nesse momento, ou simplesmente a realidade foi tão rápida que o legislativo e as empresas resolveram o problema na prática;
● Meu professor de preparo físico nunca havia dado uma aula virtual, nunca tinha feito um vídeo para seus alunos se adaptarem ao mundo tecnológico e perdeu seus clientes para ótimos aplicativos disponíveis, ficando sem renda;
● A Viceri, empresa da qual sou o fundador e CEO, iniciou os trabalhos de home office logo no primeiro dia da pandemia, mesmo não havendo respaldo legal para isso. Mas novamente a realidade se sobrepôs a falta de legislação adaptada aos tempos atuais.
Todos esses casos têm em comum o despreparo das empresas em se adaptar a uma realidade totalmente digital. Embora essa situação tenha sido escancarada pelo Coronavírus, que nos obrigou ao isolamento social e uma superutilização da tecnologia, ela não é nova. Há tempos a nossa maneira de viver vem se transformando e a demanda dos consumidores por experiências digitais vem crescendo dia após dia.
Para se ter uma ideia (conforme outro estudo divulgado pela McKinsey) na China, durante o período da Pandemia, houve um aumento de 55% dos consumidores que pretendem fazer compras permanentemente de forma on-line e um aumento de 3% a 6% na penetração geral do comércio eletrônico. Além disso, a parcela de consumidores acima de 45 anos usando o comércio eletrônico aumentou 27% de janeiro a fevereiro de 2020.
*Fonte: Building the Agile Business Through Digital Transformation – Neil Perkin And Peter Abrahan
Assim, é nítido que empresas que investiram em sua Transformação Digital, que buscaram entender o consumidor, seus hábitos e desejos, que balancearam seus resultados de curto prazo com os de longo prazo, que implantaram um modelo mais orgânico de gestão com menos “comando e controle”, menos centralização, que investiram pesadamente em tecnologia, são mais resilientes e possuem mais capacidade de rápida adaptação. Essas empresas sairão fortalecidas dessa crise.
Então, vamos ao ponto: o que vamos aprender com essa crise? O quanto vamos reimaginar nossos negócios e nossas vidas? O quanto vamos mudar nosso mindset, transformando-o de uma lógica fixa para uma lógica de crescimento? O quanto iremos focar não só em resultados de curto prazo, mas balanceá-lo com o longo prazo? Quando vamos sair da nossa caixinha e pensar diferente, pensar nas mudanças que estão e irão impactar as pessoas? Quando vamos entender que o poder mudou de mãos, e que ele está cada vez mais com as pessoas e não com as empresas?
É esperar para ver, ou ver para crer!
**Marcel Fernando Pratte é fundador e CEO da Viceri, empresa de tecnologia com mais de 29 anos de mercado que atua para estabelecer alianças duradouras e provocar grandes transformações através da inovação e da tecnologia. Em seu portfólio, a instituição tem como clientes algumas das maiores empresas do Brasil como a Mapfre Seguros, Brinks, Brasilprev e Instituto Unibanco.